segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A Comissão da Verdade para Apuração de Violação de Direitos Humanos durante a Ditadura no Brasil


A verdade recitada no canto popular “ninguém se engana que a nossa história já começou desumana” é contrastada pelos muitos gestos e ações ensaiadas e entoadas pela sociedade organizada que pretende a superação das diversas atrocidades praticadas por regimes autoritários, civise militares, na história brasileira. Em 2011, o relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos presta homenagem à resistência de milhares de pessoas que lutaram contra a ditadura militar no Brasil e que esperam resultados efetivos da Comissão da Verdade.
Se, de um lado, os militares que agiram em 1964 contra as regras vigentes não inauguraram o rol de afrontamento ao estado de direito, também não se pode deixar de considerar que foram eles que orquestraram o mais longo período de violência institucionalizada no Brasil, inclusive com repercussões fora das nossas fronteiras. A norma internacional
determina que encerrados períodos marcados por quebra de pacto social, quer seja por guerras ou por ditaduras, deve o novo governo instaurar procedimentos que apurem violações impostas no período excepcional com o fim de não mais repeti-las.Assim fizeram a África do Sul, Peru, Chile, Uruguai, Guatemala, El Salvador, Argentina, dentre outros países, até que o Brasil proclamasse a sua vez.
Três tarefas são imprescindíveis para uma Comissão de Verdade: o resgate da história, recomendações para a superação dos prejuízos causados às vítimas e ações que garantam que as violações de direitos não voltarão a ocorrer. A experiência de rever o passado mirando o presente e o futuro oportuniza a toda sociedade o conhecimento da verdade, o diagnóstico de causas e efeitos, a prevenção de violações de práticas antidemocráticas e, sobretudo, a maturidade democrática das instituições.
Conhecer os autores e as causas das violações é uma tarefa central da Comissão da Verdade. Naturalmente, os temas que dizem respeito à vida em qualquer nível de exposição de risco exigem um status de primazia. As dificuldades que a Comissão da Verdade deverá enfrentar poderão ser reduzidas pelas experiências internas e externas. No campo interno, devem ser consideradas as experiências adquiridas em fóruns que recolheram
depoimentos de quem sofreu perseguição política. Lembro a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, todas as Comissões de Anistia desde a edição da Lei 6683 de 28 de agosto de 1979 até a edição da Lei 10559/2001, e também as Comissões Especiais de Reparação por prisão e prática de tortura realizadas em muitos estados. Dos países que nos precederam na criação da Comissão de Anistia, podemos aprender a experiência da metodologia adequada para investigação e apuração em meio a condições de trauma, medo e ameaças. A verdade apurada e as recomendações devem comprometer toda a sociedade. É uma oportunidade para higienizar entulhos e práticas autoritárias que ainda nos impedem de viver plenamente a democracia.
Durante os 21 anos de ditadura militar no Brasil, foram cerceados direitos civis e políticos, com prisões, torturas, homicídios e desaparecimentos. A repressão exercida contra oposicionistas da ditadura ocorreu em meio à ocultação e manipulação de informações oficiais, o que causou em muitos grupos e indivíduos um silêncio compulsório que se estende até hoje. Os traumas decorrentes da violência física, moral e psicológica ainda agem sobre as vítimas.
Na educação, por exemplo, a repressão militar perseguiu professores,estudantes, funcionários, inibindo o exercício do conhecimento. Agentes infiltrados se ocupavam de monitorar, fichar, prender professores e estudantes que revelassem pensamento contrário aos militares.
Assim, definiam o conteúdo acadêmico mediante mecanismos de censura e outras formas de constrangimento.No meio artístico, a ditadura impôs a censura oficial, proibindo uma visão crítica. Centenas de artistas foram vítimas da repressão. Quem poderá mensurar o prejuízo causado pelo cerceamento de criação artística? A ditadura também perseguiu religiosos e quis impor um deus manipulável e ajustado ao “toma lá da cá”. Integrantes de todas as religiões, culturas e tradições foram considerados ateus do Deus de suas profissões de fé. Na economia, a ditadura foi capaz de responsabilizar os quase 200% de inflação ao ano ao nefasto chuchu. A panela vazia fez o movimento contra carestia marchar e ocupar praças e jardins. Ressoou longe a expressão da paraibana assassinada pelo latifúndio: “Prefiro morrer na luta a morrer de fome”. É desconhecido o número de pessoas que morreram de fome por causa das políticas econômicas adotadas. Impedidos de se organizar e proibidos de fazer greves, os operários tiveram a missão de lutar pelas condições justas de trabalho e ser também apoio aos demais segmentos da sociedade que levantaram a voz contra a ditadura militar. As primeiras greves denunciavam o “entreguismo” do patrimônio nacional. Cassação de dirigentes sindicais, prisões e intervenção nos sindicatos foram respostas frequentes do regime militar. A Comissão da Verdade poderá indicar que implicações resultaram destas ações na expressão das lideranças sindicais. Bandeira dos trabalhadores do campo, areforma agrária estreitou compromisso de importantes lideranças do Norte ao Sul do país. As organizações consideradas pelos militares como focos de resistência foram violentamente reprimidas e muitas lideranças presas e mortas. Aumentou a concentração fundiária, com a expulsão dos camponeses de suas terras, e também o inchaço das cidades, reduto de mão-de-obra barata para a indústria. 
O princípio do genocídio significa atingir a integridade de um povo até a sua extinção. A Comissão da Verdade terá a tarefa de desvendar as violações praticadas contra povos indígenas. O espaço terrestre foi dividido por medidores aéreos, uma originalidade militar brasileira que demonstrou total desconhecimento da vida na floresta. A ditadura usou o sofisma de proclamar como política fundiária levar “homens sem terra para terra sem homens”. Esta política de colonização se baseava na ideia de que a floresta estava vazia.Durante as décadas de 1960 e 1970, os povos da floresta, posseiros, indígenas e ribeirinhos, tiveram suas terras invadidas por empresas que, isentas de impostos, causaram enorme desmatamento e exploração das riquezas vegetais e minerais. O resultado foi um prejuízo incalculável para a diversidade da flora e da fauna, com a intensificação da exportação de madeira e minério.
A defesa da liberdade e da justiça foi violentamente reprimida. Se estabeleceram muitas formas de perseguição, incluindo a morte daqueles que resistiram.É sabido que, naquele período, o Brasil não dispunha de meios tecnológicos capazes de informar a Inteligência sobre atividades consideradas “suspeitas” em tempo real. No entanto, um evento como o Congresso da União Nacional do Estudantes (UNE), em 1968, realizado em Ibiúna, interior de São Paulo, estava previamente mapeado, oferecendo à repressão informações necessárias para a prisão de 600 estudantes. É necessário desvendar a cadeia de informação que monitorou opositores da ditadura e sua relação com os órgãos de Segurança Pública.É imprescindível para democracia saber quem foram os colaboradores do regime e como se estabeleciam essas redes de informações. A quem pertenciam os sítios privados disponibilizados para torturar presos políticos? Como se estabeleciam os concursos de colaboração dos setores públicos e privados para reprimir militantes políticos?
A sociedade exige das autoridades providências para a erradicação de toda prática que viole direitos e a adoção de políticas que promovam a dignidade humana.Esta agenda só se efetivará com a revelação do paradeiro dos desaparecidos e o cumprimento do estado de luto com o necessário enterro dos entes queridos. Com a verdade revelada, caberá aos poderes constituídos fazer sua parte. A sociedade brasileira precisa conhecer os verdadeiros heróis que lutaram por uma nação fraterna, ética, justa e livre.
Teremos, enfim, a primeira Comissão de Justiça e Verdade inspirada especialmente na luta das vítimas e familiares de desaparecidos políticos, incansáveis na recuperação da memória histórica e credores do compromisso da democracia. Contudo, posso afirmar que esta Comissão será apenas a primeira de uma série de comissões que sucessivamente indicarão a necessidade de uma próxima, até que se possa efetivamente virar todas as páginas e documentos oficiais.
Brasília, 22 de outubro de 2011
Sueli Aparecida Bellato é membro do
Conselho Consultivo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos,
Vice-Presidente da Comissão de Anistia e Secretária-adjunta da
Comissão Brasileira Justiça e Paz.

Um comentário:

Anônimo disse...

A verdade de um só lado?? ou seja, a verdade do lado da esquerda?? Ora, se a comissão da verdade fosse seria, existiria a verdade de ambos os lados e não a verdade de quem que reescrever a historia proporcionando indenizações milionárias e salários 18 a 25 mil mensais...veja o vídeo e cada um tire suas conclu...: http://youtu.be/8yDYE0pf4w8 - Boris ca..


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